segunda-feira, 7 de março de 2011

A Realidade do Clínico de Cães e gatos no Rio Grande do Sul

Seguindo a linha dos temas polêmicos e atendendo a sugestão da colega Miriam Mundis, cabe uma explanação sobre a realidade e em que contexto se encontra inserido o clínico de cães e gatos no RS. Claro que não é minha intenção generalizar e , felizmente existem, ainda que em minoria, exceções. Tampouco é minha intenção tomar os apontamentos deste artigo como verdades absolutas, mas sim, expor, mesmo que de forma breve, a minha experiência ao longo destes meus 6 anos como profissional. Gosto de falar sobre estes temas como forma de alertar; instruir os aspirantes a clínicos de animais de companhia, visto que os mestres das universidades geralmente têm dedicação exclusiva a docência e acabam por não conhecer na prática esta realidade.


Faço das palavras da Dra. Miriam Mundis - isto de fato acontece !!! As pessoas gastam vultosas quantias em banho, tosa e compra de acessórios, sem barganhar, mas, na hora de remunerar o veterinário, relutam. Com a máxima de que "de médico e louco todo mundo têm um pouco", preferem pesquisar na internet (e tirar conclusões precipitadas), consultar o atendente da agropecuária, ou o esteticista e , quando, nada mais resolve e tudo já está mascarado, procuram o veterinário. Aí temos que ter soluções mágicas e bola de cristal para diagnosticar sem realizar exames complementares; e aceitarmos as mais nefastas propostas de condições de pagamento. Infelizmente, as pessoas gastam muito mais do que R$ 40,00 ou R$ 50,00 em estética e acessórios, mas gastar isto com atendimento veterinário elas consideram um absurdo. E aí os donos dos estabelecimentos, quando não são veterinários, embuídos do medo desesperador de perder um cliente acaba muitas vezes por "receitar" algum medicamento, por que, afinal de contas, tanto tempo neste "ramo", já adquiriu "experiência"; ou ainda, diminui o valor da consulta a valores indignos, só para ter vantagem na concorrência com o vizinho. Infelizmente, na nossa cultura gaúcha de que cachorro é cusco, o que norteia a escolha do veterinário é, em primeiro lugar, a proximidade da residência e, em segundo lugar, o preço - quem cobrar menos "leva".

A questão da responsabilidade técnica é outra indignidade. Todo dono de pet shop, agropecuária ou clínica, quando não é veterinário, considera dinheiro colocado fora pagar um responsável técnico e só paga por que a lei exige; só que esquecem que, qualquer imperícia ou imprudência por parte destes indivíduos - tomado por esta opinião de que o veterinário é dispensável - resulta em penalização ao médico veterinário, imputada pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-RS). A lei exige um salário mínimo nacional para cada 6h semanais, que podem ser cumpridas todas num único dia, ou distribuídas ao longo da semana, independentemente se você clinica ou naquele estabelecimento - mas sempre vem aquela proposta indecente de somente "assinar" sem precisar comparecer (para aqueles estabelecimentos que não dispõem do serviço de clínica de cães e gatos) e claro, pela metade do preço (ou às vezes menos ainda), sendo que a responsabilidade é a mesma. Recentemente fui procurada para assinar uma RT e a empregadora reclamava que estava tendo dificuldade para encontrar, pois os veterinários estavam cobrando muito caro. Perguntei a ela quanto era este "muito caro" - o muito caro era o que a lei exigia !!! Imediatamente respondi a ela que isto não era "muito caro" e sim, o que a lei exigia. Tentando barganhar, ela disse que estava pensando em fechar o estabelecimento, uma vez que estava com dificuldade financeira para custear este valor.


Existem situações que a sociedade desconhece:
- que, quando o veterinário clinica em um estabelecimento que comercializa medicamentos e produtos veterinários, ele é pressionado pelo empregador a indicar somente os medicamentos que o estabelecimento dispõe;
- que existem proprietários de agropecuárias, pet shops, clínicas; que aplicam vacinas e medicamentos - é gente, tem mesmo, sem nenhuma condição para isto, pelo óbvio motivo que não é habilitado para tal. Aí vacinam animal incubando doença infecto-contagiosa, e sobra para quem resolver isto??? Tendo ainda que fazer "preço camarada", pois , afinal de contas, o sujeito já gastou com o produto e cliente não se pode perder.
- que, geralmente, quando o cliente tem diversos cães e, quando ele não tem mais como adiar, resolve levar para uma consulta. Aí você tem que bancar o São Francisco de Assis e cobrar uma consulta e meia dos demais (mesmo quando são doenças diferentes), mesmo que você tenha examinado um por um, e prescrito uma receita para cada um; ou ainda, como ele vai pagar à vista e são vários, você é pressionada a fazer um "desconto para pagamento a vista".
- que, quando acontece algum acidente no banho e tosa, mesmo por imperícia, o veterinário do estabelecimento realiza uma consulta, enfrenta a fúria (com razão) do cliente e não recebe esta consulta do proprietário do estabelecimento - quando é RT por que, na concepção do empregador é pago para "resolver pepinos" , o que não é a finalidade ou, quando não é RT, por que tem que "vestir a camiseta"ou ainda "tem que ser bonzinho por que recebe em dia", como se isto não fosse uma obrigação;
- que, muitas vezes, o veterinário é remunerado no final do mês com cheques emitidos pelos clientes do estabelecimento, muitas vezes pré-datados para bem depois - por que não podemos esquecer que não se pode perder cliente - e as contas do profissional não são pré-datadas;
- que, de acordo com a idéia de que o banho e tosa sustenta o estabelecimento, muitas vezes, o profissional recebe em dia e muitas vezes "têm poderes dentro do estabelecimento", influenciando na manutenção do veterinário dentro do estabelecimento;
- que o veterinário é pressionado (por lavagem cerebral, muitas vezes sob o argumento de que, se o estabelecimento não vende, não tem como custear o veterinário - e aí nesses casos tem que fechar as portas) a indicar a ração que resulta em maior margem de lucro para o proprietário do estabelecimento e que freqüentemente, não é a que ele considera a ideal.

Mas os culpados somos nós veterinários, que acabamos por nos submeter a estes absurdos por que precisamos pagar as contas no final do mês como qualquer cidadão. Onde vamos parar? Por que depois de tanto esforço para concluir uma graduação (que não é fácil, tampouco se resume a passar a mão na cabeça de cãezinhos e gatinhos) não temos a tão justa valorização? Por que os conselhos de classe não são tão representativos como, por exemplo, o conselho dos farmacêuticos, se pagamos tanto ou mais do que eles? Aproveito este artigo para suplicar aos futuros novos colegas que lutem para reverter esta situação !!! 

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